terça-feira, 15 de abril de 2008

Introspecção número um

Mais um dia em sua vida e ele sai de casa. Caminha a passos lentos rumo ao hospital. Não que ele estivesse doente, mas iria se curar de qualquer forma. Algumas horas de viagem e começa a cirurgia. Na noite fria e densa, o bisturi corta-lhe as entranhas aos abraços da amada. A noite longe, tão perto, completa a insônia cirúrgica. A prece na igreja não seria a última, pensara ele. Mas aquela noite seria. Pela manhã, a cura vem amarga nos remédios da amada e a viagem para casa é tão dolorida quanto a operação.
Tristeza, abatimento, frustração e decepção, não queria curar-se. Perdera naquele lugar um pedaço de si. Como recuperá-lo, se era aquela parte insubstituível? Não era possível resgatá-la, ou talvez ele pensasse não ser. Olhos à procura de espaço, palavras em tom de elegia. Eis que surge a solução, brotando do mesmo lugar em que se perdeu. E agora, brota em dois ramos. Dois ramos... Por que não havia de ser somente um? Por que viera outro broto? Um já era mais do que suficiente.
Sua tarefa agora é cuidar da planta. Regá-la todos os dias, trabalhar a terra, retirar as gramíneas que lhe barrarem o desenvolvimento. Cuidar do indivíduo e curá-lo das intempéries, como um dia se curou. Talvez aquele jovem ser vivo seja a fênix de sua parte perdida, revelando-se em meio ao inimaginável onde havia desaparecido.