quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Você já ouviu a música "Dreams" dos Beatles?

Era uma vez uma turma descolada que só gostava de ouvir rock'n'roll. O rock era o ritmo que representava a rebeldia de suas juventudes. Muitos da turma deixaram o cabelo crescer para fazer o famoso headbang, a batida de cabeça conhecida entre os fãs de metal. Outros simplesmente consumiam tudo relativo ao gênero: camisetas, cds, pulseiras, coturnos... e diziam conhecer tudo sobre o assunto.
Até que um dia alguém da turma começou a perguntar sobre a música "Dreams" dos Beatles. A pergunta não era outra:
- Você já ouviu a música "Dreams" dos Beatles?
Alguns mais ousados diziam:
- Sim, já ouvi, é muito boa!
Outros mais sinceros arriscavam:
- Não essa eu ainda não ouvi.
A verdade é que não existiu nenhuma música dos Beatles chamada "Dreams" e a anedota foi criada para descobrir quem realmente era fã da banda inglesa. Obviamente, quem respondia que já tinha ouvido a música era pego no flagra pelo criador da anedota. A lenda se tornou tão conhecida que somente os entendedores sabiam que não existia uma música dos Beatles com aquele nome.
Se você que está lendo já escutou a música "Dreams" saiba bem que você não passa de um farsante ao afirmar tal besteira.

A primeira formatura da Luísa

Hoje Luísa se forma na Educação Infantil. Em breve ela dará adeus ao parquinho, às professoras, a alguns coleguinhas e passará a viver as intempéries do Ensino Fundamental. Vai trocar o parquinho pela quadra, a recreação pelo esporte e as tarefas de colorir pelas temidas provas. É uma mudança essencial e eu espero que ela não sofra com isso.
Hoje é um dia de festa! Dia de trocar o uniforme pela roupa customizada, dia de celebrar todo o percurso que começou lá atrás, quando ela foi para a escolinha pela primeira vez, dia de festejar as vezes que derrubamos uma lágrima no portão da escola quando ela não queria ficar. Hoje é dia de colher os frutos dessa jornada e celebrar o quão edificante ela foi para todos nós.
É dia de festejar, de se emocionar e de não guardar em si o que se sente. E imaginar que ela um dia era só um gergelim! Hoje canta, dança, pula e corre, feliz quando está bem. Um dia me disseram: "Suas crianças são felizes, isso é muito importante", jamais esquecerei! Pois seja feliz, filha, celebre este dia e não perca a alegria, pois o papai sabe o quanto é difícil perder as coisas...

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Lentilha virou Clarice

Você já não é mais uma lentilha, Clarice. Não tenho trocadilho com grãos para te descrever, mas você, assim como Luísa o fez, transformou a vida do papai. Um dia quero ter talento para escrever uma crônica tão boa como "O dono do mundo", de Fernando Sabino (que um dia vou contar para você), com você como personagem. Sua avó um dia escreveu uma música para sua madrinha e basta ela ouvir essa canção que desanda a chorar como criança.
Esse texto e o anterior podem causar o mesmo efeito no futuro, quem sabe. Estou deixando registrado aqui para que, num futuro próximo, você possa sentir isso. Sua mãe ainda reclama que eu não converso com você, mas, por favor, entenda. Papai não se sente à vontade ao atrapalhar seu sossego aí no quentinho da barriga da mamãe. Quando você sair daí, vamos brincar com o Lego da sua irmã. Ela vai ter de entender porque você tá colocando o Emet na boca... Não! Não faça isso! Você pode se engasgar!
Meu terceiro livro da saga O Mistério da Mata da Alpineia será dedicado a você (não fique com ciúmes, Lulu, você e sua mãe já têm o segundo). Nele há uma sereia com a qual você vai se identificar muito, imagino. Forte, poderosa, apaixonada e vai mudar o destino do Ronaldo. Antes, o papai tem de resolver uns assuntos aí, mas em três anos no máximo você vai conhecer a sua história, aquela que vai determinar sua existência até o último segundo do seu sopro.
O mundo aqui fora está meio confuso. Há um vírus muito perigoso pra você e pra sua mãe, mas estamos todos #emcasa para que você possa sair daí. Fica você em casa também. E quando vier para esse mundão nosso aqui fora nunca deixe de respirar. Não antes de mim.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Lentilha

Lentilha,

Não sabemos se você é Francisco ou Clarice, mas já temos seu nome. Esse apelido provisório representa o seu tamanho quando descobrimos sua chegada. Mamãe ficou feliz quando soube da notícia. Eu também fiquei, vou lhe confessar, mas tudo se intensificou quando ouvimos o seu coração bater. Mamãe pensava que você estava nos deixando e não esperávamos que você já teria um coração quando descobrimos.
Sua irmã aguarda ansiosa a sua chegada. Ela quer que você chegue logo para poder brincar (e brigar) com ela. Ao contrário de sua irmã, você ainda não fez mamãe vomitar, continue assim. Não nos preocupe ainda na barriga de sua mãe, pare de fazê-la sentir dor agora para que ela possa finalmente sentir as dores no prazo certo.
Queremos que você venha completar nossa família. Para você ficar com vontade de morder as peças de Lego da sua irmã, enquanto estivermos brincando e pedir para ela mudar o desenho da Peppa Pig, só porque você quer ver o Bita (ou qualquer outro). E ainda vai querer morder os controles do nosso videogame enquanto sua irmã ganha do papai no Mariokart.
Enquanto não sabemos se você é Francisco ou Clarice, vamos preparar nossa casa pra te receber, Lentilha. Só não sabemos ainda se ela vai ficar cheia de estrogênio ou se você irá balancear a taxa de hormônios com o papai. Nossa casa já está cheia de bonecas para a sua chegada, mas se for preciso, compraremos alguns Hotwheels para você jogar na sua irmã enquanto vocês brincam. Será que você vai gostar de dançar a música do Dinossauro conosco? Talvez você prefira a música do espaço ou do monstro (e vai ser difícil trocar entre uma e outra).
Por hora, o único item que você tem é o sapato de crochê da vovó. Ela fez exatamente a mesma coisa para receber sua irmã. Espero que você chegue logo para construir lembranças com ela assim como sua irmã têm feito. E a sua tia será sua madrinha, não esqueça de enchê-la e beijos e abraços (porque ela não hesitará em fazer isso).
Lentilha, você vem para nos transformar em melhores pessoas. Esperamos não cometer contigo os possíveis erros que cometemos com sua irmã, mas não se preocupe com isso. Você não tem somente duas pessoas te esperando e sim três. Não nos deixe preocupados, venha assumir o quarto controle do nosso videogame.

terça-feira, 30 de julho de 2019

O portal da casa do meu avô


Quando era pequeno, visitava meus avós regularmente. A casa deles ficava numa chapada, no alto de um morro e tinha algumas peculiaridades que gostaria de registrar aqui.
A casa dos meus avós era colada na rua. Tinha, pelo que me lembro, duas janelas de madeira e uma porta de vidro em tons coloridos, mas como qualquer casa colada na rua, a entrada não era a porta da casa em si. Era como se fosse um pequeno cômodo coberto para você se abrigar da chuva ao entrar em casa. Nas casas mais modernas, isso foi substituído pela garagem, tão atreladas as famílias passaram a ser aos carros, mas algumas casas de minha cidade natal ainda guardam esse tipo de arquitetura (as que sobrevivem daquele tempo, na verdade).
Nesse pequeno cômodo coberto, tinhas duas portas, a porta da casa em si e uma porta que dava acesso à horta. Quando pequeno, gostava muito de brincar na horta de meus avós, portanto, a segunda porta então era pra mim a que deveria ser utilizada. E era, muito. Por vezes, lembro de chegar à casa de meus avós e encontrar primos da minha idade, cujos nomes hoje desconheço, pois eles já estavam lá se divertindo entre as plantações do vovô.
A porta da casa seguia o mesmo estilo da porta para a rua, em vidros de tons coloridos, muito utilizados como decoração no início do século 20. Já a segunda era em tom rústico, de madeira, pintada de cinza. Ao entrar por ela, se tinha acesso a um corredor que ia dar na horta, passando pela janela da sala, onde meus avós recebiam as viditas e a porta da cozinha, onde sempre tinha gente tomando um café e conversando. Não me recordo como era a rampa no fim desse corredor que dava acesso à horta, pois sempre que entravamos pela segunda porta, era obrigatório passar pela cozinha para provar alguma quitanda da vovõ.
Por fim, lembro que já não se utilizava mais a primeira porta. Não sei se ela estragou ou se era costume mesmo passar pela cozinha para se entrar na casa. Só me lembro de ver essa porta aberta em outras duas ocasiões, quando a vovó morreu e quando, um ano depois, o vovô morreu, o que me afasta a ideia de a porta ter estragado por algum motivo desconhecido.
Pense você o que aquilo representava para uma criança. A primeira porta era a entrada para o mundo dos adultos, cheio de conversas enfadonhas sobre a vida e suas regularidades, como a própria morte. O outro era como se fosse a entrada para um mundo divertido e cheio de brincadeiras e crianças cheias de vida. Era um portal simples e singelo, de madeira, mas um verdadeiro portal para um mundo de diversão.
Hoje a porta de vidro não existe mais. A casa, embora conserve detalhes de arquitetura secular, foi transformada num pequeno comércio, cujas partes traseiras provavelmente viraram depósito ou coisa assim. O portal para aquele mundo infantil não existe mais. Assim é o mundo real: abrem-se e se fecham portais de verdade.

Despedida da juventude

Quando vim morar em Belo Horizonte eu tinha uma banda. Ou melhor, eu participava de uma banda, pois a banda não tinha dono, era somente um movimento musical independente como qualquer outro que vira e mexe insurge no local onde vivi minha juventude.
A banda surgiu em um fim de semana, como qualquer outro movimento musical que aparece, desaparece e ninguém fica sabendo. Tínhamos um menino do violão e ao redor dele me aproximei ao lado de outro amigo. Tocávamos as músicas que ouvíamos, na contramão da música popular que entope as rádios e gira o comércio. Mas tudo começou quando veio aquele MP3.
Aquele MP3 tinha um nome: "Ah se eu pudesse". Aquilo me impôs um desafio muito grande. Embora eu fosse filho de um intérprete/cantor, eu não tinha talento para a música. Não tenho para a música o mesmo talento que tenho para a escrita, mas naquela época isso não era evidente em mim. E aquele MP3 gravado em casa pelo moço do violão tinha dois violões, dos quais eu fui extremamente intimado a reproduzir no teclado Cássio quatro escalas nada profissional que hoje está nas mãos de um músico de verdade.
Quando vim morar em Belo Horizonte não senti a mesma pressão daquele dia. Não. Aquele dia me impôs uma tarefa cuja habilidade eu não tinha para completar. Estudei o máximo que pude para reproduzir aquele som simples e por mais que nós ensaiássemos muito, na hora do vamos ver, eu sempre embolava aquele toquinho.
Fizemos um show... dois... três... A música foi se transformando... E embora eu me sentisse parte dela, não sentia posse sobre aquele material como sinto posse sobre meus livros. Aquela música que ainda hoje permanece guardada no meu computador faz parte da minha história. Somamos outras pessoas para executar aquele som mais algumas vezes até que chegou o dia do meu último show.
E no dia do meu último show, na véspera de eu me mudar para Belo Horizonte, eu não tive a coragem de comparecer. Hoje me arrependo amargamente disso, pois anos mais tarde descobri que a galera tinha preparado uma festa para festejar minha despedida. Frustrei a expectativa de muitas pessoas que me esperavam naquele dia, mas frustrei o sonho do menino do violão, que queria me ver executando aquele som pela última vez. Chegou um dia em que o amigo que tinha se juntado a mim e o moço do violão também teve sua festa de despedida e eu não estava presente. O moço do violão continuou a produzir música com outras pessoas e um dia teve a sua própria festa de despedida.
Nesse meio tempo, a música foi gravada e hoje está disponível no Spotify, (não na versão original, é claro). Você pode ouvir procurando TriadeRock nesse aplicativo de música. O moço do violão tornou-se escrivão da Polícia Civil e parou de compor. "Ah se eu mudasse o vento, se eu parasse o tempo, se eu tivesse um senso... Nada mais de errado eu faria, essa dor estaria controlada em mim. Mas não dá pra prever o futuro. (...) E se o que eu digo não fizer nenhum sentido, terei sempre você[s] comigo".

Para Vitor Freitas e Lincoln Sette

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Opinião

Perdi a capacidade de de opinar. Talvez não tenha perdido a capacidade, só a vontade mesmo. Já faz alguns dias, venho me sentindo sem vontade de escrever ou de conversar. Não tenho emitido sequer sinais de fumaça. Não sei o que está acontecendo, quero ficar só.
Enquanto isso, minha filha cresce. Luísa cresce como um broto de feijão daqueles que a gente plantava na pré-escola. Antes, ela cabia no meu peito enquanto eu jogava videogame e hoje não consegue ficar parada quando eu pego um controle. Mesmo que ainda não saiba jogar, e que não tenha coordenação motora para isso, ela se diverte pegando os controles do Wii U e jogando eles de um lado para o outro. Ainda bem que eles tem uma proteção emborrachada antiqueda, mas ainda acredito que ela vai estragar um deles.
Meus melhores dias nos últimos tempos foram minhas férias onde eu acordava todo dia às 8 da manhã para ficar com ela vendo desenho até a Luana decidir que já tinha dormido o suficiente. Eu levantava todo dia de manhã com Luísa, íamos para a sala de televisão, ligávamos o televisor no Cartoon Network e ficávamos assistindo os desenhos da grade matinal. Era uma coisa que eu mesmo fazia quando era pequeno, acordar pela manhã e ir assistir desenhos. Acho que passamos para os filhos um pouco do que éramos quando crianças.
Sinto falta desses dias, embora repita essa rotina sábado e domingo, mas a labuta diária não me permite fazer isso mais. Às vezes, tenho inveja da Luana quando ela posta uma foto com a Luísa. Sinto que estou perdendo o desenvolvimento dela. Há alguns meses, ela era só um Gergelim e agora já engatinha a casa toda. É preciso aproveitar cada momento, cada fase, cada aprendizado. E eu espero que ela aproveite também.