sexta-feira, 8 de julho de 2016

O canto da seriema

Pessoas normais no interior acordam com o cantar do galo. Eu tenho, pois, uma história diferente e bastante peculiar sobre o nascer do dia.
Perto da casa da minha mãe no interior, há um córrego. Todos os dias por volta das cinco da manhã, a seriema canta anunciando o amanhecer. Começa com aquele barulho intermitente e agudo formado por duas míseras notas musicais que meus parcos conhecimentos em música não permitem dizer se sol e fá ou se fá e mi ou se qualquer outro tom.
Certo é que os bichinhos cantam religiosamente antes do sol nascer e às vezes durante a madrugada, o que dá certo ar sombrio e medonho à noite. Confesso que o canto da seriema sempre me aterrorizou, principalmente, entre o período de quatro às seis da manhã, quando eu tinha de acordar para estar religiosamente no quartel às seis em ponto, durante o serviço militar obrigatório.
Nunca soube determinar se a seriema do canto era uma ou se um bando, pois animais não costumam viver sozinhos na natureza. E quando vivem sozinhos, não sobrevivem muito tempo. Outra coisa que me impressiona é ninguém ter dado conta do bicho ainda, não é possível que ele incomode somente a mim. Isso me fez concluir que a seriema pudesse ser na verdade as seriemas.
O cantar dos bichos sempre me intrigou até que um dia passando pelo tal córrego depois de muitos anos de existência eu finalmente conheci o terror de minhas madrugadas mal dormidas. Ali estava o pássaro, de penas brancas com pescoço encurvado e pernas finas como um palito de picolé. O bicho tinha uma corcunda de dar dó, mas como qualquer animal da natureza divina era perfeitamente elaborado em gracejo.
Confesso, me apaixonei pela seriema. Mas ao lembrar de seu canto, veio à tona a vontade de matar o bicho e por fim àquela sensação estranha da madrugada. Pensei e hesitei, o animal me cativara. E ele realmente não estava sozinho! Havia três seriemas que eu pude deduzir eram uma família que vivia ali.

Hoje a seriema não cantou. Sinto falta dos meus amiguinhos...

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