terça-feira, 30 de julho de 2019

Despedida da juventude

Quando vim morar em Belo Horizonte eu tinha uma banda. Ou melhor, eu participava de uma banda, pois a banda não tinha dono, era somente um movimento musical independente como qualquer outro que vira e mexe insurge no local onde vivi minha juventude.
A banda surgiu em um fim de semana, como qualquer outro movimento musical que aparece, desaparece e ninguém fica sabendo. Tínhamos um menino do violão e ao redor dele me aproximei ao lado de outro amigo. Tocávamos as músicas que ouvíamos, na contramão da música popular que entope as rádios e gira o comércio. Mas tudo começou quando veio aquele MP3.
Aquele MP3 tinha um nome: "Ah se eu pudesse". Aquilo me impôs um desafio muito grande. Embora eu fosse filho de um intérprete/cantor, eu não tinha talento para a música. Não tenho para a música o mesmo talento que tenho para a escrita, mas naquela época isso não era evidente em mim. E aquele MP3 gravado em casa pelo moço do violão tinha dois violões, dos quais eu fui extremamente intimado a reproduzir no teclado Cássio quatro escalas nada profissional que hoje está nas mãos de um músico de verdade.
Quando vim morar em Belo Horizonte não senti a mesma pressão daquele dia. Não. Aquele dia me impôs uma tarefa cuja habilidade eu não tinha para completar. Estudei o máximo que pude para reproduzir aquele som simples e por mais que nós ensaiássemos muito, na hora do vamos ver, eu sempre embolava aquele toquinho.
Fizemos um show... dois... três... A música foi se transformando... E embora eu me sentisse parte dela, não sentia posse sobre aquele material como sinto posse sobre meus livros. Aquela música que ainda hoje permanece guardada no meu computador faz parte da minha história. Somamos outras pessoas para executar aquele som mais algumas vezes até que chegou o dia do meu último show.
E no dia do meu último show, na véspera de eu me mudar para Belo Horizonte, eu não tive a coragem de comparecer. Hoje me arrependo amargamente disso, pois anos mais tarde descobri que a galera tinha preparado uma festa para festejar minha despedida. Frustrei a expectativa de muitas pessoas que me esperavam naquele dia, mas frustrei o sonho do menino do violão, que queria me ver executando aquele som pela última vez. Chegou um dia em que o amigo que tinha se juntado a mim e o moço do violão também teve sua festa de despedida e eu não estava presente. O moço do violão continuou a produzir música com outras pessoas e um dia teve a sua própria festa de despedida.
Nesse meio tempo, a música foi gravada e hoje está disponível no Spotify, (não na versão original, é claro). Você pode ouvir procurando TriadeRock nesse aplicativo de música. O moço do violão tornou-se escrivão da Polícia Civil e parou de compor. "Ah se eu mudasse o vento, se eu parasse o tempo, se eu tivesse um senso... Nada mais de errado eu faria, essa dor estaria controlada em mim. Mas não dá pra prever o futuro. (...) E se o que eu digo não fizer nenhum sentido, terei sempre você[s] comigo".

Para Vitor Freitas e Lincoln Sette

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