Quando
era pequeno, visitava meus avós regularmente. A casa deles ficava numa
chapada, no alto de um morro e tinha algumas peculiaridades que gostaria de
registrar aqui.
A
casa dos meus avós era colada na rua. Tinha, pelo que me lembro, duas janelas
de madeira e uma porta de vidro em tons coloridos, mas como qualquer casa
colada na rua, a entrada não era a porta da casa em si. Era como se fosse
um pequeno cômodo coberto para você se abrigar da chuva ao entrar em casa. Nas
casas mais modernas, isso foi substituído pela garagem, tão atreladas as
famílias passaram a ser aos carros, mas algumas casas de minha cidade natal
ainda guardam esse tipo de arquitetura (as que sobrevivem daquele tempo, na
verdade).
Nesse
pequeno cômodo coberto, tinhas duas portas, a porta da casa em si e uma porta
que dava acesso à horta. Quando pequeno, gostava muito de brincar na horta de
meus avós, portanto, a segunda porta então era pra mim a que deveria ser
utilizada. E era, muito. Por vezes, lembro de chegar à casa de meus avós e
encontrar primos da minha idade, cujos nomes hoje desconheço, pois eles já
estavam lá se divertindo entre as plantações do vovô.
A
porta da casa seguia o mesmo estilo da porta para a rua, em vidros de tons coloridos,
muito utilizados como decoração no início do século 20. Já a segunda era em tom
rústico, de madeira, pintada de cinza. Ao entrar por ela, se tinha acesso a um
corredor que ia dar na horta, passando pela janela da sala, onde meus avós
recebiam as viditas e a porta da cozinha, onde sempre tinha gente tomando um
café e conversando. Não me recordo como era a rampa no fim desse corredor que
dava acesso à horta, pois sempre que entravamos pela segunda porta, era
obrigatório passar pela cozinha para provar alguma quitanda da vovõ.
Por
fim, lembro que já não se utilizava mais a primeira porta. Não sei se ela
estragou ou se era costume mesmo passar pela cozinha para se entrar na casa. Só
me lembro de ver essa porta aberta em outras duas ocasiões, quando a vovó
morreu e quando, um ano depois, o vovô morreu, o que me afasta a ideia de a
porta ter estragado por algum motivo desconhecido.
Pense
você o que aquilo representava para uma criança. A primeira porta era a entrada
para o mundo dos adultos, cheio de conversas enfadonhas sobre a vida e suas
regularidades, como a própria morte. O outro era como se fosse a entrada para
um mundo divertido e cheio de brincadeiras e crianças cheias de vida. Era um
portal simples e singelo, de madeira, mas um verdadeiro portal para um mundo de
diversão.
Hoje
a porta de vidro não existe mais. A casa, embora conserve detalhes de
arquitetura secular, foi transformada num pequeno comércio, cujas partes
traseiras provavelmente viraram depósito ou coisa assim. O portal para aquele mundo
infantil não existe mais. Assim é o mundo real: abrem-se e se fecham portais de
verdade.
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