sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Veja o "ludo" no topo do míope

III

Quando viu a porta se abrindo dezenas de coisas passaram pela sua cabeça. Será que tinha chamado atenção demais? Será que ao menos havia tocado a campainha antes de tentar abrir a porta? Fora tão afoito a ponto de se esquecer de uma premissa básica dessas? Aliás, por que ele havia desistido do encontro, se havia alguém o esperando naquela casa? Voltou a si, lembrou-se de onde queria chegar.
- Paulo, há quanto tempo você está aí? - perguntou a moça da janela.
- Acabei de chegar - mentiu o rapaz.
- Pois é, e está atrasado né, bonitinho?
- É que... bem... você sabe... sou muito ocupado - na verdade, nem era, mas fora a primeira desculpa esfarrapada que apareceu na sua mente naquela hora.
Marina, que sabia muito bem que ele não era um rapaz muito pontual, deu uma de que aceitara as desculpas com um simples gesto de cabeça. Decidiu esquecer também que o havia visto chegar pela janela, pois também nem sabia se era ele mesmo que havia chegado naquele momento, devia pensar tanto quanto ele, ou um pouco mais, quando viu o homem pela janela. Também não quis admitir que esperou que ele tocasse a campainha para sair correndo feliz quando ele o fizesse, nem que pensou ter escutado o som dele junto à porta, afinal, não tinha plena certeza de que era ele quem ela viu enquanto se afundava em pensamentos "nada a ver" como ela mesma dizia. tentando fugir do país que vivia buscando o seu "qualquer outro lugar". Achou muito estranho ter encontrado ele justo na hora que decidiu abrir a porta devido à sua demora, mas preferiu pensar que foi a ligação que os dois tinham que a levou até a porta justo no momento em que ele chegava.
Ela gostava dele como se o tivesse conhecido no pré-primário. E, no entanto, haviam se conhecido a pouco tempo. "Esse negócio de gostar é relativo. Eu posso conhecer uma pessoa desde o primário e ao contrário de gostar dela, odiá-la desde o primário também", respondia quando alguém fazia uma comparação desse tipo. Era imediata, gostava de resolver as coisas e exprimir seus pensamentos na hora, embora pensasse muitas vezes antes de emití-los e imaginasse dezenas de possíveis resultados sobre as coisas que falava.
Paulo, do contrário, era mediato. Dependia muito das outras pessoas para exprimir uma opinião e, em muitas das vezes, acabava concordando sem pensar com um "É verdade..." para depois pensar melhor sobre a questão. Naquela noite, havia combinado de sair com Marina, mas no meio do caminho, veio pensando dezenas de coisas até se esquecer do que viera fazer ali na casa dela aquela noite. Lembrou-se somente quando ela abriu a porta para impedí-lo de ir embora, por mais que não tenha sido essa a sua motivação para abrir a porta (no que ele preferia pensar).
- Então? Vamos? - perguntou-lhe o rapaz oferecendo os braços à jovem.
- Vamos - respondeu Marina num sorriso.
E os dois saíram caminhando pela rua à procura de uma diversão que somente os dois poderiam ter juntos. Como num reflexo, Paulo olhou o outro lado da rua. O rosto em palavras não estava lá mais. Aliás, ele estava antes? Percebeu que tudo aquilo era apenas uma invenção de sua mente mirabolante. Na verdade, não havia ninguém ali. Ao contrário de Marina, que realmente o vira chegar pela janela.

Um comentário:

Thlls disse...

a parte da explicação é essencial! tem gente que gosta de deixar o texto em aberto, mas tipo, o que mais acontece é interpretação errada...então eu acho bacana explicar pra quem ler não viajar demais